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À conversa com o autor Pedro Belo Clara


À conversa com...

Pedro Belo Clara

Livros de Vidro (LV)- Diga-nos, quem é Pedro Belo Clara?

Começamos com perguntas difíceis. Esta entrevista promete! Bem, serei certamente muito mais do que a mera aparência poderá deixar transparecer. Por vezes, é mais fácil saber o que não somos do que aquilo que efectivamente seremos. Já será um incremento, pois inevitavelmente nessa desfolha acabaremos com a nossa essência nas mãos, idas que foram as restantes capas que julgávamos reais. Mas a poesia não nos deixa mentir, ainda que o poeta possa ser, em maior ou menor grau, um fingidor. Quem desejar ler algum trabalho meu irá garantidamente ver o mundo através de olhos que, sendo os meus, empresto por essa via. Então poderá constatar a linha meditativa da minha natureza, uma profunda intimidade com o mundo natural e os seus elementos, a minha simpatia pelo silêncio e pela solidão, o meu pendor lírico, o meu amor pela metáfora tecida a fio de oiro, a convergência da palavra rumo à liberdade… e assim dizer de sua justiça. Fica feito o convite.

LV - Porque começou a escrever?

Certas coisas acontecem naturalmente, sem que haja qualquer razão ou lógica que as sustende. É o que geralmente acontece com os grandes amores. Gosta-se e pronto. O meu começo, obviamente inseguro, foi por isso natural e fluido. As palavras começaram a bater-me à porta (ainda hoje o fazem), e eu apenas tive de a abrir… Esse foi o princípio da estrada. É claro que já admirava bastante a capacidade de pôr por palavras um sentimento, uma ideia, e daí criar uma história ou deixar um conselho, fosse em poema ou canção, até porque o meu início deu-se com a música. Os primeiros ensaios de poemas que elaborei eram, no fundo, canções que ia compondo, melodia e letra. O processo de descoberta levou-me ao aprofundamento do ofício, se é que o poderemos chamar assim, passo após passo, a ritmo lento mas seguro. E sempre com um enorme gosto por cada desafio que ia surgindo. O sopro aconteceu, e é nesse porquê que reside o mistério maior, mas lá surgiu e, como dizia, apenas tive de começar por lhe dar forma.

LV- Já há mais de dois anos que acompanhamos o seu trabalho. Sempre o vimos ligado à poesia. É essa a sua forma de expressão de eleição?

Sim, é. Mas não por teimosia ou por um qualquer modo de pretensão. Nada disso. Apenas por ser o acto mais natural em mim, o mais fluido. Não é uma questão de escolha, mas de natureza. E a minha tem inclinação poética, pelos vistos.

LV- Nunca ponderou escrever um livro em prosa? Um romance, por exemplo?

Volto a dizer o que em algumas ocasiões idênticas disse: a prosa constitui, em regra geral, um parto difícil para mim. Não quero com isto dizer que coloco totalmente de parte a prática do género. Tanto que mantenho actualmente certas participações em blogues de literatura que se realizam sob essa forma. Posso confidenciar o seguinte: tenho de parte notas suficientes para dois livros de contos e um romance. Tudo trabalho inacabado. Se algum dia o seu nascimento se efectivará, não saberei dizer. Por ora, o meu foco está na poesia. Quando mudar, se mudar, então novos projectos poderão acontecer. Estou receptivo a tudo, embora, conhecendo-me, suspeite que não seja muito provável uma incursão muito longa pelo género.

LV- Daquilo que temos experienciado, a sua poesia não é a mais simples de ser lida, obrigando o leitor a ler com calma e a absorver o que lhe é transmitido. A ler nas entrelinhas, a decifrar. É essa a sua intenção?

Não é uma intenção pré-definida. É algo que vai acontecendo à medida que o processo de criação se desenrola. Muito raramente escrevo num ápice um poema concreto, isto é, directo e conciso, pois eles não tendem a nascer com essa marca, e se nascem, de pronto sinto um apelo para lapidar essa pedra, para a limpar de impurezas. Mesmo quando componho um haiku, que exige por si só um olhar mais conciso e apurado, há muito que daquela simplicidade escrita se poderá depreender. Não é meu desejo “obrigar” o leitor a nada, embora em alguns momentos possa tentar estimular o prazer da descoberta. A última coisa que desejo é retribuir a gentileza demonstrada por quem me quer ler com um trabalho que exija algo de si. O poema dá, não exige. Cada poema tem em si a sua proposta, como um ser independente com essência própria. Lê-lo uma vez irá dar uma perspectiva sobre o melhor modo de o saborear. Então, vem uma segunda leitura. E certas luzes acendem-se. Acima de tudo, quer-se o poema uma experiência de sentidos, mas para isso é importante abraçá-lo sem reservas, morder as suas palavras, acariciar cada verso e sentir o que daí se exala. Nunca ficamos a conhecer verdadeiramente alguém após um único e breve encontro, por exemplo. Mas a poesia, para ser saboreada ao máximo, não deixa de pedir uma certa entrega. Se não houver receptividade por parte de quem irá receber, a experiência sairá frustrada. Atenção que não estou a contradizer-me, pois toda a palavra, para ser experienciada, requer a sua leitura. Se houver interesse, então haverá entrega – maximizando-se assim a experiência.

LV- Embora tenhamos já afirmado que é o poeta que nos ensinou a olhar para a poesia com outros olhos, este seu último trabalho trouxe-nos dificuldades. É um trabalho mais complexo?

Bem, em primeiro lugar fico muito satisfeito por saber que, de certo modo, alguns trabalhos mais antigos tiveram em vós um efeito tão positivo, mesmo sabendo no íntimo das profundas revisões que alguns carecem. No entanto, tem razão no que diz, pois é de facto um livro mais complexo, onde a metáfora foi elevada e trabalhada no limite, talvez por isso mais direccionado para os leitores veteranos de poesia. Sou o primeiro a admiti-lo, embora não houvesse qualquer pré-definição a respeito. Quando as linhas gerais deste trabalho começaram a surgir de modo mais claro à minha percepção, adivinhava-se um projecto com contornos algo saudosistas, um conjunto de poemas de cariz evocativo que lamentava a perda de um amor antigo. Mas, ao crescer, novos caminhos se abriram e outros potenciais se avistaram. Se os havia identificado antes, ficaria decerto aquém de mim mesmo se não fizesse os possíveis para os preencher. Dessa tentativa, em suma, nasceu este trabalho, onde sem dúvida alguma fui mais longe do que antes fora. A sua própria composição exigiu de mim uma auto-superação tremenda, um mergulho em territórios até aí nunca explorados. Debatemo-nos bastante com a dúvida… Sempre. Afinal, balanceia-se a vontade em ser fiel ao que somos e em oferecer o melhor de nós, sem cortes ou enganos. Se não estivesse seguro desse equilíbrio não propunha o livro para edição. No entanto, o leitor será sempre o juiz final. A haver um juiz, pois que seja o leitor – embora também reserve a mim mesmo o direito de discordar, se disso for caso.

LV- Diga-nos, onde vai buscar a inspiração para escrever os seus poemas?

A vida é a maior fonte de inspiração. Sempre o foi. Ou, se preferir que seja mais conciso, aos modos pelos quais a vida se manifesta. A música que os plátanos cantam quando uma leva brisa por eles passa é motivo mais que suficiente. O silêncio de um entardecer também, ou o canto diáfano de um pássaro que traz a primavera no peito. E dizer isto é dizer pouco, pois o tanto que se instiga na contemplação não cabe, creio, seja em que palavra for. São um meio limitado, as palavras; só podem apontar a um destino, mas fazem decerto o seu melhor dentro daquilo que permitem, sendo em parte o garantir de tal efeito um dos trabalhos do autor. Ainda tenho a convicção de que o mais sublime dos poemas jamais poderá ser escrito. É por essa mesma razão que o reafirmo.

LV- Qualquer poeta necessita de uma “musa inspiradora”? Ou o mundo e as sensações são o bastante?

Creio que a palavra certa seja “receptividade”. Isto é, estar disponível. Não importa o que se pode experimentar ou não, o que se desfruta ou o que se priva. É o que é. E a realidade como é basta. Pois os poemas surgem tantas vezes do nosso olhar sobre as coisas, o mundo e até nós próprios, por interação directa ou observação. Pode haver espaço para lamento no poeta se a ausência de musa for sentida, mas isso só acontecerá se ele comprar a ideia de que lhe falta algo para completar o que deseja fazer. A poesia nasce sem requisitos. A “obrigação” da musa, da vida boémia, da existência maldita são meros padrões pré-estabelecidos. Necessitamos disso tudo para admirar o esplendor do nascer do sol? Quer poesia mais viva e simples que essa? E está à disposição de todos nós.

LV- Como avalia a leitura de poesia em Portugal? Há apreciadores deste género literário?

Parece-me que os portugueses já leem pouco, muito pouco num cômputo geral, e a poesia perde claramente para o romance. Mas há leitores de poesia, claro que sim. Embora o género seja visto muitas vezes como elitista. Atenção que não falo em termos de classe social, apenas que é restrito o círculo de leitores desse estilo. Mas não acredito numa literatura para predestinados, o que acontece muitas vezes é que é parca a formação do leitor comum sobre o género. Os que a têm e não o apreciam estão num lugar à parte, pois aí será um mero gosto pessoal, perfeitamente compreensível. Refiro-me ao quase cliché de “não gosto de poesia porque não a entendo”. O trabalho de base deverá ser feito nas escolas, mas é precisamente aí que o “trauma” começa. Os jovens ficam assoberbados com questões estilísticas e gramaticais e perde-se a essência. É claro que tudo é importante, mas a parte técnica do ensino não deverá sobrepor-se à parte mais lúdica, digamos, à exploração do poema em si, à identificação dos temas abordados, à definição da possível visão do autor. Num tempo em que realizava breves sessões sobre poetas portugueses e suas obras, tendo como alvo um público leigo mas com apetite por poesia, ou simplesmente por conhecimento, obtinha tantas vezes a mesma reacção: “passei a gostar mais de poesia agora que entendo melhor a visão do autor”. Prova de que em regra o afastamento se deve à não compreensão dum género que, convenhamos, tem os seus desafios. Mas também isso é preciso amar na poesia.

LV- O que pensou ao ver-se "criticado" em LIVROS DE VIDRO?

Se assumirmos uma postura distante e, assim, abrangente sobre esse assunto, veremos que a crítica, tal como o elogio, não passa de uma mera opinião, melhor ou pior fundamentada, consoante quem a emite, baseada em suas experiências e conhecimentos. E nisso há um certo grau de subjectividade, bem vistas as coisas. Aceito, obviamente; cada um tem direito à sua opinião, assim como eu, que poderei naturalmente concordar ou discordar dela. Se na crítica observar coerência, então tomo-a como oportunidade de crescimento; se vejo que a mesma nada tem de construtivo ou que quem a emitiu passou ao lado da questão essencial, então seguirei do mesmo modo de sempre, sem ressentimentos ou iras recalcadas. Sobre o blogue em questão, que tem a gentileza de acompanhar o meu trabalha há já algum tempo, creio que as publicações se basearam em fundamentações válidas sob o ponto de vista de quem leu, deixando transparecer a sua visão / reacção ao escrito. Sinceramente, dada a complexidade deste meu último título, compreendi que só nessa ocasião o texto editado não abrangeu a totalidade da obra, talvez até por culpa minha, por ter elevado fasquias, mas isso não aconteceu nas críticas anteriormente publicadas, onde o essencial do livro foi apreendido. Devo, contudo, frisar que nunca serei um autor que segue as opiniões de leitores ou críticos, com todo o respeito por ambos. Acima de tudo serei sempre fiel à minha voz, à minha melodia mais íntima. Se fosse, imaginemos, uma laranjeira, eu só poderia dar laranjas. De que adiantaria pedirem-me abacates? Nesse esforço para ser algo que não sou, até me esqueceria de como produzir laranjas! Então, o foco deverá estar centrado em poder dar as melhores laranjas possíveis. Estou aberto às reacções exteriores, claro, mas se nelas não me revir, se nelas não identificar um fundo válido para aquilo que quero do meu trabalho… então interiormente rejeitá-las-ei. Respeitosamente, é claro.

LV- O que aconselha a quem nos segue e quer ler os seus livros?

Não creio que sejam necessários conselhos para quem desejar ler poesia, seja ou não minha. Só se, em hipótese remota, formos uns iniciados nesse género, e mesmo assim julgo que seria preferível deixar o leitor a sós com o trabalho, explorá-lo por si, senti-lo por si, empreender a viagem sem qualquer desvio exterior, oriundo de conselhos que lhe possam chegar. Portanto, respondendo à sua pergunta mais concretamente, o que poderei sugerir é somente uma mente aberta e receptiva. Que cada leitor faça por si a viagem, seguro e confiante, apesar dos naturais receios de não absorver a totalidade da intenção original. E depois? Essa também é uma das belezas da poesia… Sobre ela debruçados, nem sempre vemos o seu autor, como julgaríamos. Mas o nosso próprio rosto. Claro que para tudo isto ser possível, deve existir uma “fome” no leitor. Sem ela como mote, a viagem não se realiza verdadeiramente, mesmo que a leitura se complete.

LV- Por fim, onde poderão ser adquiridos os seus livros?

Um pouco por toda a parte. Os mais recentes, através do site da própria editora ou no café literário que possui na Av. da Liberdade, em Lisboa, além de algumas livrarias da capital, do Porto (Livraria José Alves), de Coimbra (Papelaria 115) e também de Braga (Livraria Oswaldo Sá), por exemplo. Sem esquecer as Fnac’s espalhadas pelo país, embora aí seja só possível por encomenda. Alguns títulos mais antigos, escritos num registo bem distinto, e certamente já a necessitar de uma profunda revisão, como noutra questão referi, ainda deverão estar disponíveis, provavelmente também por encomenda, em sítios como a Bulhosa, a Bertrand ou a Apolo 70, ou junto das suas editoras (Papiro e Chiado).

Outubro 2017

Deixamos um agradecimento ao autor pela disponibilidade.

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